Sendo
Mia Couto e Guimarães Rosa escritores de língua portuguesa, de países
ex-colonizados, poderíamos relacionar a cultura de Moçambique e Brasil, não
fosse, dois séculos de independência em relação à Portugal que distanciam os
dois países.
Rita
Chaves (2002) pontua que, é frequente a referência a escritores brasileiros apontados
como participantes na formação cultural dos escritores africanos. A estudiosa
refere-se aos períodos que antecederam os movimentos de libertação nacional
nesses países, que nos anos que se seguiram às lutas de libertação, os laços
perderiam sua densidade. Com Mia Couto os laços se renovaram.
A
partir de tal contexto sócio-cultural é que inserimos o diálogo entre a literatura
moçambicana produzida por Mia Couto – tido como o maior escritor de língua
portuguesa na África no século XX – e a literatura de Guimarães Rosa,
considerado um dos maiores escritores brasileiros.
Focaremos
no romance Manuelzão e Miguilim, da
narrativa Campo Geral de Guimarães
Rosa e no conto Nas Águas do Tempo,
do livro A Menina sem Palavras de Mia Couto.
Para
Cândido, a literatura é considerada um sistema de obras ligadas por
denominadores comuns que permitem reconhecer as notas dominantes em determinadas
fases.
Guimarães
Rosa é um dos principais nomes dos escritores brasileiros do século XX. O
sertão brasileiro era um ambiente recorrente nos escritos do mineiro, que
apostava no regionalismo para narrar as histórias.
Manuelzão e
Miguilim foi lançado em 1964, um ano depois de o autor ser eleito
para a Academia Brasileira de Letras por unanimidade. Porém, com medo de se
emocionar demais, só tomou posse após quatro anos. Infelizmente, faleceu três
dias depois.
Em Campo
Geral, todos os fatos são apresentados de acordo com sua visão de
mundo. Pode-se perceber que a intenção de Guimarães Rosa era criar seu universo
a partir da percepção de um menino em processo de crescimento. Trata-se também
de uma história de aprendizagem, já que acompanhamos o processo de amadurecimento
do pequeno Miguilim.
Mia
Couto é um dos mais conhecidos e lidos autores africanos de língua portuguesa
na atualidade. Com seus livros publicados simultaneamente no Brasil e em
Portugal, Mia se tornou best
seller não apenas em países de língua portuguesa.
Segundo
ele, ouvir histórias, observar as pessoas a sua volta e captar detalhes do
cotidiano são os recursos que utiliza no seu processo de criação literária, os
quais combina com os elementos que construirá e que intentam despertar a
compreensão e a emoção dos leitores.
Nas águas do tempo narra
a história de um avô que, cotidianamente, conduz seu neto em passeios de barco
até determinado ponto do rio. A rotina, gradativamente, faz com que o jovem
perceba que aqueles passeios representam algo maior do que a possível
senilidade de seu avô e, assim, presenciamos, ao longo da leitura, seu
amadurecimento.
Mia Couto traz a realidade própria de
Moçambique. É fortemente ligado às raízes e tradições de seu país, e as coloca
sempre em confronto não apenas com a modernidade, mas com as identidades fluidas
e permeáveis da pós-modernidade.
Por
sua vez, Guimarães Rosa traz o universo do Brasil. Sua
obra privilegia o ambiente rural, das fazendas e pastagens, lugares a perder
de vista, elegendo as tradições, costumes, cantigas, modos de vida, em confronto
com a modernidade, com as cidades, com o novo, com o cosmopolitismo.
Ambos
são grandes contadores de estórias e seus textos literários formam verdadeiras
redes extratextuais e intratextuais onde os leitores navegam, aproximando-se e
distanciando-se das margens, humanizando-se enfim, como é função da literatura.